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BRASIL PÁTRIA DO CORDEL 
 
*Massilon Silva
 
Bréscia (Itália) - A literatura de cordel, como todos já sabem, é hoje, com perdão do trocadilho, uma das mais cantadas e entoadas no Brasil, tão grande a admiração e prestígio que alcançou nos últimos tempos. Aliás, é bom frisar que a arte cordeliana já atravessou fronteiras, basta que tomemos como exemplo mais recente o lançamento da obra poética Brixia Brasil em Versos - Conexão Itália Brasil, por ocasião do evento intitulado Premio Connessione Italia Brasile - Webmusic Italian Feste que acontecerá nesta sexta-feira, dia 18. O livro, todo em versos de cordel, exalta as cidades de Bréscia (Itália), Fortaleza/CE) e Pão de Açúcar/AL (Brasil), por suas qualidades culturais, históricas e turísticas. Trata-se de um trabalho realizado sob a coordenação da jornalista brasileira radicada na Itália Sandra Bandeira Noli, que receberá o prêmio juntamente com os autores brasileiros Abelardo Nogueira e Massilon Silva, dentre outros agraciados. A obra, composta de textos em cordel, conta ainda com grande quantidade de fotografias em belíssimo colorido retratando as cidades italiana e brasileiras, foi impressa pela Vilcart Tipolitografia di Roselli Giuseppe & C. snc.

 Mas o que é o cordel e qual a sua origem?
 Comecemos por tentar responder a segunda parte da pergunta. Para a grande maioria dos historiadores "é um tipo de poesia popular que é impressa e divulgada em folhetos. Suas imagens são feitas através da xilogravura. Este é um gênero literário popular que existe em outros países além do Brasil. O nome literatura de cordel tem origem na forma como esses folhetos são vendidos, eles normalmente são pendurados em barbante, cordas ou cordéis. Por isso o nome literatura de cordel.
 A literatura de cordel teve início no século XVI, quando o Renascimento passou a popularizar a impressão dos relatos que pela tradição eram feitos oralmente pelos trovadores. A tradição desse tipo de publicação vem da Europa. No século XVIII esse tipo de literatura já era comum, e os portugueses a chamavam de literatura de cego, pois em 1789, D. João V criou uma lei em que era permitido à Irmandade dos homens cegos de Lisboa negociar esse tipo de publicação. No início, a literatura de cordel também tinha peças de teatro, como as que Gil Vicente escrevia " (Priscila Melo, site Terra, 24/06/2014).
 Ainda nas palavras de Priscila o cordel chegou ao país no século XVIII pelos portugueses, e mais uma vez segundo a renomada pesquisadora, há quem afirme que os folhetos foram introduzidos no Brasil por Silvino Pirauá (cantados) e em seguida pela dupla Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas Batista.
 

 Passemos agora, retrospectivamente, a discorrer sobre o que é o cordel, de que trata a primeira parte de nossa pergunta.
 Para a esmagadora maioria dos historiadores é um gênero literário com origem em Portugal e na Espanha, e que seu nome nasceu do fato de ser exibido e comercializado pendurando-se seus folhetos em cordas ou cordões também chamados pelos portugueses de cordéis. Há nisso um gritante equívoco quando se trata de Brasil, pois aqui jamais os folhetos ou romances constituídos por estrofes de seis ou sete versos com sua característica distribuição de rimas foram pendurados em corda ou cordão.
  No Brasil o cordel em seus primeiros anos era comercializado em feiras livres e mercados e pracas, sendo espalhados pelo chão ou calçadas, para facilitar a visualização pelos passantes, ou simplesmente acondicionados em malas ou maletas de madeira ou couro, nunca pendurado em corda ou cordão.
 
  Ouso aqui recorrer ao que no jargão dos Tribunais é conhecido como "voto divergente" que, quando se trata de matéria nova ou contrária ao entendimento majoritário deságua no famoso "voto vencido", de cuja modalidade nosso operoso e competente Ministro Marco Aurélio Mello, do STF, é campeão absoluto. Pois bem. O Cordel, a despeito do que é afirmado pela maioria, jamais existiu na Espanha ou Portugal tal como é conhecido no Brasil, e esta minha conclusão é tão mais verdadeira quando se indaga do registro, ainda que remotamente, de algum cordelista espanhol ou português. Em nenhum momento da história é citado o nome de algum cordelista de língua portuguesa fora do Brasil. Dizer que o cordel brasileiro tem afinidade ou traços de semelhança com a obra de Gil Vicente ou de Camões é forçar uma interpretação talvez no intuito de inseri-lo como literatura de elite quando, em nossa Pátria, começou a ser cultuado exatamente pelas classes financeiramente menos favorecidas e com baixo ou nenhum grau de escolaridade. Não; não foi nisso que pensou Leandro Gomes de Barros; não foi essa a intenção de José Camelo; não foi esse o caminho percorrido por Rodolfo Coelho Cavalcante, Manoel de Almeida Filho, João Firmino Cabral e outros. O termo "cordel", por sinal, no Brasil nenhuma similitude guarda com seu ancestral lusitano, até porque no início não recebia essa denominação. Era chamado, sim, romance ou folheto, e prova disso é que não tivemos o Cordel da Donzela Teodora, o Cordel de Juvenal e o Dragão ou o Cordel do Pavão Misterioso. Todos eles foram precedidos do termo "romance", sendo a palavra cordel popularizada a partir do final da década de 50 e início da de 60 do século XX. A literatura de cordel é puramente brasileira e tem identidade própria; tem regras fixas, não podendo ser atrelada a nenhuma outra forma de expressão, incorrendo em equívoco quem mistura cordel com trova ou repente em suas mais variadas modalidades. Por falar nisso os repentistas, com justificada razão, não aceitam esse comparativo, pois enquanto estes são essencialmente improvisadores os cordelistas são poetas de bancada; nada obstando que um mesmo artista seja bom nas duas coisas, mas são manifestações artísticas distintas.
 

O cordel, de outra banda, não é um gênero literário mas a mistura de todos os gêneros, assim como o arco-íris é a mistura de todas as cores visíveis mais o infravermelho e o ultravioleta. Ele é épico, lírico, narrativo e mais os sub-gêneros que lhes são correspondentes, quando se apresenta em forma de crônica, conto, novela e romance. Hoje está nas estantes das livrarias, nas feiras de livros, nas Bienais, nos sebos, nas cordeltecas, nos desfiles da Sapucaí, nas escolas, na TV, no teatro e no cinema. É profissão reconhecida em Lei Federal e Patrimônio Imaterial do Brasil reconhecido oficialmente pelo IPHAN ; traduzido para vários idiomas e premiado em festivais internacionais.
 Dito isto, afirmamos com todas as letras que "o cordel é brasileiro", e para reforçar nossa exclusividade que "o Brasil é a pátria do cordel".
*Escritor e poeta, membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel.
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